29 de dezembro de 2008

Entre uma história e um chá

Dezembro de sofrimento

Moro numa aldeia a 20 minutos do Campo Grande, em Lisboa, mas muito distante da cidade tantas vezes fria. Na minha aldeia há algumas pessoas de quem gosto mais há três senhoras por quem tenho um carinho especial mesmo sem as conhecer bem. Agora já só há duas pois uma delas faleceu à cerca de cinco anos. Continuo a lembrar-me dela com saudade. Mas as outras duas continuam a cruzar-se comigo. A primeira mora em Lisboa, tem 86 anos e vive sózinha, em Algés, e é praticamente auto-suficiente e apesar de todo o conforto que tem no seu apartamento citadino adora vir para aqui, para uma casa pequenina, com poucas condições, mas onde abre a porta e se sente livre e feliz, como ela diz sempre. Gosto de me cruzar com ela e de ouvir as poesias que faz.

A terceira é mais discreta e sofreu recentemente uma enorme perda. O grande amor da sua vida partiu assim, de um momento para o outro vitíma de um cancro que fez questão de encarar de frente. Não resistiu à batalha que travou com ele durante a operação e encheu-nos a todos os que o conhecíamos de uma profunda tristeza. Deixou também viúva a minha vizinha que viveu com o marido um namoramento e um amor durante mais de 60 anos. Apesar da imensa dor que não lhe cabe no coração esta senhora continua a lutar. No entanto, num destes dias, enquanto mondava a horta caiu e fez uma fractura na anca. Quando chegou ao hospital e perceberam que era cardíaca os médicos não arriscaram a operação (que ela tanto pedia talvez para ir de encontro ao seu grande amor, mas como bem lhe disseram: não estamos aqui para matar ninguém). Portanto, a minha vizinha voltou para casa onde recupera, completamente imobilizada, esperando a solidificação de um osso, numa zona difícil.

Apesar de não nos conhecermos muito bem gostamos uma da outra e eu passo por casa dela quase todos os dias entre as viagens que faço às escolas dos meus filhos. Às vezes bebemos chá outras ouço-lhe histórias da nossa aldeia, todos os dias falamos da perda dela e da falta que lhe faz o seu grande amor.

Tento consolar-lhe a alma, abraço-a e tento que perceba a importância que continua a ter para tantas pessoas que a visitam pois nunca está só. Falamos da sorte que tem por ser tão acarinhada e consola-me saber que vivo num lugar como este onde há doentes que têm visitas a toda a hora, que não têm tempo para se sentirem sós e que construiram uma família como a que ela construiu. Desejo-lhe todos os dias as melhoras pois quero vê-la de pé rapidamente. Quero cruzar-me com ela apenas para falar do tempo, para aprender as coisas que ela me ensina e acima de tudo para a ver ganhar esta batalha contra tantas coisas que a incomodam agora.