31 de dezembro de 2008

Os presentes deste Natal



O nosso Natal este ano foi único e muito diferente. Numa ideia que me cativou desde a primeira vez, transmitida pelo nosso pároco, inscrevemos-nos para receber na consoada e no almoço de Natal pessoas que ficariam sozinhas, algumas de famílias carenciadas, para se juntarem ao nosso Natal.

Como este ano só houve três famílias a inscreverem-se e nós fomos uma delas recebemos uma senhora de 85 anos que transmite uma delicadeza que nos comove e que apesar da sua idade se mantém de pé numa luta que manteve ao longo da vida contra muito sofrimento. Hoje sofre não da falta de bens materiais nem da distância familiar. Hoje sofre de uma solidão maior. Conta-me que os filhos lhe levam os bens materiais que acham que ela precisa mais mas acrescenta com profunda tristeza que os mesmo filhos nunca a convidam para os acompanhar em noites tão especiais como esta. Eu adorei conhecê-la. Passou pela nossa casa de uma forma discreta e, por coincidência trouxe flores para nos oferecer, com raízes, como gostamos de receber.
Fomos juntas à missa do galo coisa que ela não fazia à anos e que a encheu de alegria. Estivemos sempre de mãos dadas e para surpresa minha, quando cheguei à igreja encontrei lugar ao lado da minha comadre da filha e do pai da filha. Gosto muito destes três e naquele momento, num lugar onde nunca me tinha encontrado com eles, a não ser no dia do baptizado, senti que me estava a sentar mesmo ao lado do que é o verdadeiro espírito natalício.
Mas voltado a esta senhora linda que me encheu de ternura a minha família ofereceu-lhe o melhor presente que segundo ela poderia ter recebido; a companhia. Fiquei feliz.

Recebemos mais duas pessoas, um filho de 16 anos e um pai de 50. Vivem juntos numa casa muito modesta rodeada de ferro velho, flores plantadas em garrafões de plástico e vários espanta-espíritos à porta. Quando os vi pela primeira vez desconfiaram do nosso convite. Quando chegaram a nossa casa sentiram-se à vontade e deparamos-nos com o oposto da nossa primeira convidada.
Para o rapaz a nossa prenda foram algumas palavras de esperança contra o descrédito que ele tem no seu próprio futuro. Ao pai, um dos maiores tagarelas que já conheci oferecemos os nossos ouvidos, quase todo o protagonismo sempre que alguma prenda se abria e muito paciência sendo nós uma família composta por adultos tão calmos e discretos. Ele ofereceu-nos as gargalhadas de um homem cheio de histórias mirabolantes, mostrou-nos um mundo cheio de aventuras e penso que é esse mesmo mundo que os mantém juntos. O que gostei mais neles foi a relação que têm, difícil de descrever, mas que de tão alucinante nas aventuras os acredito os faz rir imenso, ainda que à volta a pobreza lhes desse apenas motivos para chorar.

Depois de os deixar em casa, já a meio da tarde do Dia de Natal, agradeci a Deus a família que tenho. E agradeci à minha família, tão habituada à tranquilidade dos nossos natais, o esforço que de alguma forma cada um deles fez para proporcionar estes momentos a estes convidados. Mas agradeço também as forças que todos tivemos perante este desafio, onde as coisas não foram todas fáceis, mas que conseguimos ultrapassar e penso que foi das melhores prendas que recebi: termo-nos entregado tanto a quem à anos nesta noite não tinha nada.

O nosso Natal foi ainda muito enriquecedor pela presença dos membros da família que vieram passar connosco. Falamos sobre as nossas vidas e as vidas dos outros. Aproximamos-nos uns dos outros e a festa terminou num regresso a casa, depois de deixar os últimos familiares, já no dia 26, na companhia da minha filha.
O nevoeiro e a chuva e as maravilhosas perguntas dela impediam-me de acelerar o carro. A voz do meu filho ao telefone a perguntar se faltava muito para eu chegar e a preocupação do pai connosco fez-me sentir uma privilegiada com esta família que somos.

Ao entrar na nossa rua, pouco iluminada e cheia de buracos e poças de água experimentei a paz numa luz acesa que se vê mal entramos na rua ao lado de um pinheiro manso muito alto e que, do alto dos seus cinquenta anos enche de graça o nosso pátio.
Estávamos a chegar a casa!

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